Locked Groove é o último sulco do vinil, quando a agulha para no final de um dos lados. Não tem tradução boa para o português - ranhura bloqueada é técnica e sem graça demais.
É aquele momento em que as conversas avançam enquanto o disco está rodando, sem música alguma. Ao mesmo tempo em que busca outro disco dentro da capa ou vai trocar o lado, você continua uma história, ou começa qualquer assunto que valha a pena: drinques, viagens, livros, música, o que for.O que fizer sentido na hora.
Fui otimista e achei que poderia levar um puta projeto gigante ao mesmo tempo em que escrevo esses textos aqui. Mas a vida seria bem mais chata se não quebrássemos prazos, não ficássemos na rua até altas horas, ou até mesmo se não fizéssemos festas até o sol raiar (não que isso tenha acontecido, claro).
Mas pensei que é melhor um texto divertido e bem-pensado, por mais que seja corrido e o envio esteja atrasado, do que fazer qualquer coisa burocrática só para ter na sexta-feira aquele e-mail maroto pingando aí na sua caixa.
Por isso, dei ao texto o tempo que precisava e terminei com o cuidado que os leitores merecem. Vão entender, espero. E se a segunda-feira foi brava, talvez seja um bom respiro nesse começo de semana. Sombrias perspectivas para a próxima sexta, já aviso - mas assim que der, o texto novo pinga aí.
A essa altura, quem está sempre nesse cafofo aqui já sabe: se não assina, clique abaixo para assinar. E se já assina, e acha que vale a pena, clique também para ajudar a manter esse locked groove rodando - ou, pelo menos, para me ajudar a fazer uma fezinha com o meu bicheiro preferido.
O título vem do livro de Kapuściński sobre a Guerra de Libertação de Angola, de 1975, um clássico absoluto do jornalismo internacional e grande livro do polonês. Como sempre, não vou dar os links para os livros dele. Há traduções para o português, pela Companhia das Letras, mas acho que hoje em dia só acha no Estante Virtual. As traduções para o inglês você encontra na Amazon, alguns com preços módicos. Lá você vai saber como encontrar.
Você viaja o mundo, numa época em que isso era bem mais difícil do que hoje.
Vai para lugares muito mais precários e arriscados do que se conhece atualmente. Vira especialista em África, América Latina, viaja extensivamente pelos países mais distantes e inacessíveis da Ásia.
Precisa mandar textos pelos meios mais absurdos possíveis para conseguir cumprir o prazo: usa telex, dita ao telefone, entrega cadernos preenchidos para médicos da Cruz Vermelha, grava fitas de rolo ou cassete em meio a barulhos de explosões na rua logo abaixo e despacha tudo por meio de pilotos de aviões cargueiro, ou até mesmo reúne uma resma de folhas avulsas numeradas a mão e entrega a qualquer um que vai voltar para algum lugar com água potável e, a partir daí, torce para o emissário ainda encontrar outra pessoa que vá para o outro lado da Cortina de Ferro.
Aprende várias línguas - inclusive o português, que deve ser apenas marginalmente menos complicado do que o seu polonês natal - faz-se entender em lugares que não falam nada remotamente parecido com o que você conhece.
Começa a gostar do clima tropical e da hospitalidade de pessoas a muitos quilômetros de distância de sua terra natal, mas não tem muita vontade de continuar no mesmo lugar sempre e acaba vivendo em diferentes lugares e mudando continuamente de casa.
Faz de quartos de hotel sua moradia por meses, quando está a trabalho; ou, pior, dorme muitas vezes em barracas de campanha, cabanas improvisadas, até mesmo na carroceria de caminhão ou, ainda, num cobertor no chão de concreto.
Fica amigo de Che Guevara, Patrice Lumumba, Salvador Allende.
Presencia guerras, golpes de Estado, revoluções, partidas de futebol que acabam em confusão. É condenado à morte em pelo menos 4 ocasiões e escapa por um fio de ver o capim nascer pelo lado errado.
Num momento, está em Angola para cobrir a descolonização africana; em outro, na Etiópia, nos últimos momentos do Império; no Irã, em plena Revolução. Fica ilhado entre dois países que entram em guerra por um motivo tão prosaico quanto uma partida de futebol.
É testemunha ocular da história, de fato, ao presenciar 27 golpes ou revoluções e estar em 12 frentes de combate em diversos continentes. Vê a queda de Impérios - na África, no Oriente Médio e, finalmente, naquele gigante que é a própria União Soviética, que marcou muitas passagens de sua vida.
E fuma feito uma chaminé - prefere uns sem-filtro poloneses, mas se contenta com o que encontra em qualquer lugar. Boa escolha carregar um maço com você: nos lugares e situações mais escrotos do mundo, incluindo prisões, cigarro é sempre moeda.
E, ainda assim, sobrevive para contar tudo isso.
Seu byline complicado vira grife, mesmo que ninguém saiba pronunciar direito. Em Angola simplificam de uma vez: vira simplesmente Ricardo. Desistem de pronunciar o sobrenome.
Ryszard Kapuściński (1932-2007) esteve presente em muitos momentos cruciais da segunda metade do século XX e, mesmo em meio a situações extremas, reportou tudo o que viu e é responsável por livros que juntam a apuração jornalística com um tratamento literário memorável.
E, ainda por cima, com uma concisão que poucos conseguem: não desperdiça uma vírgula, não tem uma palavra supérflua. Em 140 páginas, fala sobre a Guerra de Libertação da Angola com mais profundidade do que bibliografias completas; explica os dias finais do Império de Hailé Selassié na Etiópia em poucas páginas, mas com uma profusão de detalhes de fazer corar o Rasta1 mais dedicado. Fala da União Soviética com precisão e cria imagens literárias que poderiam estar em qualquer livro de um grande escritor russo.
Escrevia em primeira pessoa e imergia na história sem amarras, transformando-se praticamente em um personagem, sem medo de quebrar a regra de “jornalismo é sobre fatos, não sobre si próprio".
História linda. Inspirou jornalistas, foi admirado por escritores como Salman Rushdie, Margaret Atwood, Gabriel García Marquez. Virou celebridade na Polônia, onde nasceu, ao ponto de um museu ter sido criado na casa em que passou a infância.
Só havia um problema.
Ryszard Kapuściński, o cara que, ao mesmo tempo que outros grandes como Lilian Ross, John Hersey, Tom Wolfe e Gay Talese, renovou a linguagem das grandes reportagens ao usar técnicas literárias até então pouco comuns no jornalismo, parece ter sido vítima de sua própria biografia. Ao se inserir nas histórias que contava, talvez Kapuściński tenha entrado em uma armadilha sem volta. Dizem que deixava em segundo plano a apuração minuciosa dos fatos em prol da boa história que imaginava poder contar - mas que, muitas vezes, não estava lá.
Pelo menos, foi o que argumentaram críticos e alguns colegas de profissão, após a publicação de uma biografia sua em 2010, Ryszard Kapuscinski: A Life, de Artur Domoslawski, compatriota e fã declarado de Ryszard.
A desconstrução do mito de Kapuściński começou antes, na verdade: em 2001, um antropólogo britânico apontou diversas inconsistências nos livros escritos pelo polonês sobre a África. Kapuściński, então considerado um dos jornalistas europeus com maior conhecimento sobre o continente africano, teria simplificado fatos, criado fabulações em cima de acontecimentos reais, desconsiderado particularidades culturais para obter maior impacto em suas histórias, misturado fatos diferentes. E, se isso já não fosse o bastante, em alguns casos foi acusado até de construir do nada histórias para determinados acontecimentos e que não foram confirmadas por outros jornalistas ou pesquisadores.
Abriu-se toda uma avenida a partir daí. O próprio Kapuściński admitiu que não conheceu Che Guevara, apesar de ter contado histórias que os dois teriam vivido juntos. Admitiu que uma história famosa em que andou pelo interior da Etiópia com um motorista que só falava “good morning” ou “good night”, além da sua língua nativa, era totalmente fabulosa. Deu razão a críticos de seu livro O Imperador (1978), ao admitir que muitas das passagens mais famosas de seu livro sobre Hailé Selassié eram alegóricas e construídas para servir à história que queria contar. Pesquisadores descobriram que seu livro A Guerra do Futebol (1978), que conta a Guerra de uma semana entre Honduras e El Salvador, em 1969, após uma partida entre as duas seleções que acabou em tumulto, tinha até mesmo uma personagem central do livro que nunca foi encontrada por pesquisadores, o que levantou suspeitas sobre sua própria existência.
Como não pode deixar de ser nesses casos, outras vozes apareceram. Jon Snow, decano dos correspondentes estrangeiros britânicos, escreveu um artigo devastador, falando que sempre desconfiara de Kapuściński e que não havia tornado isso público por não querer polêmicas. Chegou a levantar dúvidas se o polonês realmente testemunhara tudo o que contava em seus livros.
Numa época em que fake news são uma arma poderosa e muito mais destrutiva e disseminada do que em qualquer outra época, Kapuściński foi acusado de ser, ele mesmo, um fake. Sua imersão nas histórias que contava, ao ser confrontada com as imprecisões e invenções descobertas em sua obra, colocaram uma sombra gigante sobre um autor que, até então, era considerado um dos grandes do século XX.
O biógrafo Artur Domoslawski, que para seu mérito não deixou de publicar suas conclusões e descobertas sobre o mestre, relativiza, em parte, as acusações.
Ih, lá vem amigo passar pano para picareta, pode dizer você aí, que está sabendo dessa história toda agora ou já conhecia Kapuściński, mas não imaginava que a realidade fosse tão fluida e maleável para o polonês.
Domoslawski não diminui a gravidade do que conta - é bem direto e minucioso ao falar sobre as imprecisões e inverdades na obra de Kapuściński. Mas apresenta também o outro lado. Segundo ele, o jornalista polonês andava com dois cadernos de anotações em suas viagens: num deles, anotava os fatos como eram e o usava como base para os despachos para a PAP, Polska Agencja Prasowa, a agência polonesa estatal de notícias para quem trabalhava; noutro, guardava anotações e ideias para os livros que sonhava em publicar. A diferença apontada nas matérias que enviava e o que saía nos livros é bem marcada e mostra que Kapuściński claramente tinha objetivos diferentes com cada faceta do seu trabalho.
Ao mesmo tempo, o biógrafo também apresenta outra informação que, com certa boa vontade, pode contar como atenuante. A Polônia do pós-Guerra era um país isolado, por trás da Cortina de Ferro, e bem pouco conhecido; a obra jornalística de Kapuściński não era lida no Ocidente. Seus livros começaram a ser traduzidos somente no final da década de 1970, sem o contexto jornalístico do trabalho factual e objetivo que Kapuściński havia feito antes. Ou seja, conheceram-se no mundo anglo-saxão apenas os livros, em que o autor polonês libertava-se da narrativa estritamente factual do jornalismo, usando-a como base para o que de fato queria dizer.
É fácil ver que seus livros funcionam como denúncias de autoritarismo e injustiças e faz escolhas ideológicas. Por exemplo, conta a Guerra de libertação de Angola com evidente simpatia pelo MPLA2 em Mais um dia de vida (1975). Com um olhar afiado, é brilhante em seu livro sobre os dias finais da monarquia da Etiópia, descrevendo os excessos da corte imperial em contraponto à situação de extrema pobreza da população. No livro Imperium (1993) descreve suas viagens pela União Soviética em diferentes momentos, e é sempre crítico do Império soviético, principalmente na época de sua dissolução. Em todos, Kapuściński insere-se como testemunha próxima, personagem até. São claramente autorais - mas a base jornalística e seu estilo objetivo de escrita, de fato, levam o leitor a acreditar que é um relato factual e restrito aos fatos como aconteceram.
Talvez seja esse o problema de Kapuściński: sua escrita é tão envolvente, mas sua forma de apresentar o contexto é tão calcada no jornalismo que a distinção que poderia haver entre seus dois cadernos de anotação em viagem acaba sendo borrada. A linha entre não-ficção e ficção torna-se tênue.
É o reflexo exato de Hunter S. Thompson, outro grande autor nesse mesmo registro de não-ficção com forma literária. HST sempre foi percebido, na superfície, pela sua persona extravagante e cheia de excessos, com seu estilo Gonzo flutuando como um sonho lisérgico-anfetaminado-bêbado que distorcia o que seria uma narrativa jornalística; ao mesmo tempo, sua apuração e seu cuidado com os fatos estava sempre lá, mesmo que, por vezes, o protagonismo do autor acabasse jogando a exatidão dos fatos com que conta a história para segundo plano (mas estavam sempre lá, sem alterações ou imprecisões).
Com Kapuściński isso se inverte: a autoridade da qual o autor polonês se investe faz com que tome-se pelo valor de face tudo o que apresenta em seus livros. E o próprio autor, em entrevistas, afirmava que não narrava os fatos como ocorreram - que seu interesse primário, em livros como O Imperador, era criar um comentário disfarçado e sutil sobre o regime polonês da época (ele, que não era besta, sabia o que estava fazendo; por muito menos, vários tiveram suas vidas destruídas pelos regimes autoritários da época, por trás da Cortina de Ferro).
O biógrafo Domoslawski levanta uma teoria interessante sobre o motivo de Kapuściński não ter desfeito a confusão entre fato e ficção em sua obra: vindo de uma infância pobre, em um país destruído pela guerra e isolado do mundo, com uma língua bem pouco conhecida e com pouca tradição no mundo literário e jornalístico da época, Kapuściński simplesmente aproveitou a publicidade em torno de seu nome, com os livros que o tornaram famoso. Se não conheciam o contexto, a culpa não era dele. Afinal, se não sabiam que era chegado a se colocar como um personagem - ao ponto de criar a persona do jornalista solitário e durão que corre o mundo atrás das boas histórias e, se não as tem, ele praticamente as torna maiores do que realmente eram - não seria ele a explicar o “engano".
É a materialização exata da frase do filme O Homem que matou o facínora: se a lenda se transforma em fato, imprima-se o fato.
Resumo rápido com alerta de spoilers: no filme de John Ford, de 1962, o senador Ransom Stoddard fez carreira em um Estado do Oeste Americano no século XIX baseado em um fato acontecido quando era jovem e que o catapultou para a fama e a subsequente carreira política. Stoddard conta toda a verdade para um repórter, personagem secundário na história. Ao final, o jornalista resolve não publicar, rasga seu caderno de anotações e fala a frase que ficou famosa na história do cinema e é repetida em diversas versões até hoje.
Kapuściński, talvez, tenha visto na fama repentina uma forma de escapar das fronteiras de seu país, secundário no mundo do jornalismo dominado pela mídia anglo-saxã. Para seu mérito, por um lado, nunca deu a entender que seus livros fossem estritamente trabalhos jornalísticos - sempre os tratou como baseados em fatos reais que colheu em suas viagens. Por outro lado, mentiu de forma contínua - tá aí a picaretagem da amizade fake com Guevara, a quem nunca conheceu, ou o exagero nas histórias sobre os riscos que corria.
"Kapuściński intensifica a verdade por meio da invenção.
Por exemplo, ele cria algo que permite um insight muito mais profundo sobre a verdade da África ou de Hailé Selassié, e isso é totalmente legítimo. Deixemos que os pequenos fiscais da verdade fiquem felizes com esse debate. Eu não vou participar."
-Werner Herzog, cineasta. Hiperbólico, polêmico e exagerado, bem ao estilo do chapa polaco.
Na época em que vivemos, com a prevalência de versões e mais versões contraditórias dos fatos e o crescente descrédito da autoridade e dos gatekeepers do mundo jornalístico e da cultura, fica difícil defender Kapuściński e sua edição da realidade. Mesmo que nunca tenha declarado claramente ser verdade tudo o que escreveu nos livros, deixou que se criasse a lenda.
Sua escrita é objetiva, sem firulas, mas que cria imagens poderosas: da cidade de contêineres do porto de Angola, “construída” pelos ex-colonizadores portugueses à espera de conseguir voltar para a Europa, sob a ameaça da Guerra Civil, aos excessos da corte de Hailé Selassié e à dissolução progressiva do poder no Império etíope, numa progressão que o brilhantismo do texto de Kapuściński faz o leitor querer cada vez mais. São imagens literárias de impacto, e o tanto de verdade que esconde as imprecisões acaba sempre prevalecendo.
Era um grande repórter, atento ao que está além da superfície. Que prestava atenção nos pequenos personagens, nas pequenas histórias; seu biógrafo traz depoimentos de muitos que o conheceram e atestam que Kapuściński tornava-se o melhor amigo de alguém em poucos minutos, em uma mesa de bar, ou dividindo um cigarro embaixo de uma nevasca. Que respeitava seus entrevistados e percebia o poder das pequenas histórias, dos personagens cotidianos afetados por eventos que não dominam. Que são protagonistas nas suas histórias, mas sobre quem ninguém vai escrever a não ser gente como Kapuściński.
O homem que era tratado afetuosamente por Ricardo em Luanda, pelos funcionários do hotel praticamente vazio de onde ainda mandava seus despachos, também é o mesmo que ouve com cuidado e empatia as histórias de ex-funcionários da corte imperial na Etiópia, que registra a história (real) dos pedintes que se aglomeravam, escondidos em um galpão do Palácio Imperial de Adis Ababa, onde garçons levavam os restos do banquete servido aos mandatários africanos pelo imperador; ou que conta sobre a morena de Angola com o AK-47 a tiracolo no ombro, que o leva ao front da Guerra Civil e depois fica para trás para dar cobertura contra os guerrilheiros da Unita apoiados pela África do Sul, e ao final, é morta na defesa da linha de defesa.
Talvez, com o devido aviso, seus livros possam ser lidos como o autor os escreveu. Mais próximo de Hemingway e Graham Greene do que de Gay Talese, Kapuściński escreve bem, não esconde sua admiração pelas pessoas comuns que encontra pelo caminho e consegue compreender o que se esconde por trás das histórias que conta. Essa vontade de apresentar sua perspectiva ao público o levou a cruzar a linha da ficção. Mas como faria, se lidasse apenas com os hard facts da notícia do momento?
A visão crítica é essencial para se saber em que terreno estamos pisando, e fato e ficção devem ser ainda estudados e devidamente entendidos na obra do polonês. Mas, se não tivesse ousado fazer essas reportagens-novela gigantes que viraram livro, talvez sua voz potente e seu olhar aguçado nunca aflorassem. Sobrariam bons textos objetivos, em esquecidas páginas microfilmadas de jornais poloneses que ninguém mais lê.
Num mundo em que, como dizia um histórico editor do Notícias Populares, “neutro mesmo, só o cadáver no cemitério", a voz de Kapuściński merece ser ouvida. E podemos nos sentir tentados a dizer que, se a lenda torna-se fato com tamanho talento e com emoção verdadeira, que se imprima a lenda.
O último livro de Kapuściński se chama Viagens com Heródoto (2007). Heródoto, considerado o Pai da História, também era chamado de o “Pai das Mentiras". Cícero, poeta e orador romano, reconhecia o poder da escrita do autor grego, considerado o primeiro historiador que viveu, mas alertava para suas “histórias fabulosas".
Talvez o velho jornalista polonês, sabendo muito bem o que fazia, tenha ao final da vida resolvido dar uma piscadinha para o mundo das letras, ao batizar assim seu último livro.
À sua maneira, será lembrado - talvez até mais que outros autores.
O Ricardo de Luanda e de outros lugares esquecidos pelo tempo, que bebe, fuma cigarros sem filtro, faz amigos por todo o planeta, xaveca morenas de Angola camaradas do MPLA, enquanto conta umas lorotas interessantes e meio exageradas, continuará a viver nas páginas que escreveu. Mesmo que seja por meio de uma realidade brilhantemente editada.
Usei muitas fontes, como de hábito: boas reportagens nas páginas de Financial Times e NYTimes, introduções a seus livros, entrevista com seu biógrafo que achei em um site britânico. Enfim, um monte de lugares de onde surrupiei informações, e dou um crédito geral aqui e não individualmente. Também li muita coisa dele e de outras só ouvi falar (A Guerra do Futebol está ainda na minha wishlist), mas, como de hábito, meti aqui alguns exageros, imprecisões e entubadas, bem ao estilo do bom e velho Ricardão.
E, finalmente, um carinho todo especial por Salman Rushdie. Foi ele que indicou, em um texto antigo, os livros de Kapuściński.