Locked Groove é o último sulco do vinil, quando a agulha para no final de um dos lados. Não tem tradução boa para o português - ranhura bloqueada é técnica e sem graça demais.
É aquele momento em que as conversas avançam enquanto o disco está rodando, sem música alguma. Ao mesmo tempo em que busca outro disco dentro da capa ou vai trocar o lado, você continua uma história, ou começa qualquer assunto que valha a pena: drinques, viagens, livros, música, o que for.O que fizer sentido na hora.
Depois do primeiro ano de Locked Groove, na semana passada, outro aniversário: hoje, 16 de junho, faz 5 anos que Paula e eu nos casamos.
Vamos tirar umas pequenas férias a partir de hoje. Algumas andanças pelo interior de Minas Gerais, para tentar ficar bem longe de todas as histórias que teimam em esfregar nas nossas caras, nesses tristes trópicos.
Volto em 01 de julho, com um novo texto. Para quem ainda não assina, já sabe: clique no botão abaixo e escolha se quer assinar o plano gratuito ou pingar um capilé para textos exclusivos e para garantir que esse locked groove continue rodando.
Boa leitura, até mais. 😉
1.
Foram apenas 2 meses para colocar todo o casamento em pé.
Falamos para uma amiga que iríamos casar em junho. Isso era abril. “Legal, tem bastante tempo para organizar tudo até o ano que vem". Era junho de 2017, não de 2018.
Muita coisa para fazer, mas o plano era fazer o quanto antes, sem ficar pensando muito.
Escolher onde: São Paulo? Belo Horizonte?
Belo Horizonte. Nada muito específico para isso: pareceu bem mais legal levar amigos para a cidade de Paula, do que fazer em São Paulo.
Depois da cidade escolhida: onde fazer?
Quantos convidados? Família e amigos? Festa pequena?
Fazer lista de convidados.
Criar e imprimir os convites (eu mesmo criei, imprimimos em letterpress).
Enviar convites: entregamos nós mesmos pela madrugada de São Paulo, para quem morava na cidade, ou enviamos pelo correio, para quem era de fora.
Vestido de casamento: algumas viagens até a Vila Medeiros, onde ficava a costureira. Para que eu não visse, Paula ia sozinha ou com amigas. Eu esperava no Mocotó, ali perto, tomando umas caipirinhas e comendo um torresmo. Quando ela chegava, eu já havia ficado uma ou duas horas na fila de espera e havia acabado de pegar mesa. Não posso reclamar.
Terno. Primeiro um que achei que poderia ficar bom. Depois decidi por outro. Botas que eu já tinha, nada de sapato. Lembrar de como fazer nó na gravata (depois de 20 anos sem fazer).
Escolher cardápio. Comprar bebidas. Decoração: o que usar? Como usar? Como não ficar careta? Vai fazer sentido com o local escolhido e, mais importante, com a gente?
Contratar fotógrafo, filmagem, DJ.
Fazer briefing para filmagem: não mais do que 15 minutos de vídeo, cortes rápidos e meio nouvelle vague. Música é importante. Sem firulas, nada de fazer dia da noiva ou algo assim. Não precisa ser a filmagem padrão. Cidade é importante: precisa ter umas cenas da cidade também, pelo contexto.
Briefing para DJ:
• entrada dos padrinhos - My sweet lord - George Harrison
• entrada do noivo - I am your man - Leonard Cohen
• entrada da noiva - Oh, Yoko - John Lennon
• Final da cerimônia - God only knows - Beach Boys
Depois, músicas para dançar.
Nessa parte, a pedido da noiva, deve tocar o seguinte set:
- o Baile do Pó Royal
- Vou festejar, de Beth Carvalho
- hino do Clube Atlético Mineiro
Trecho do meu email de briefing para o DJ:
Artistas totalmente proibidos:
Qualquer coisa de Capital Inicial, Biquini Cavadão, Raimundos.
Marisa Monte. Ed Motta. Dueto de Marisa Monte com Ed Motta. Dueto de Marisa Monte com qualquer pessoa.
Coldplay em hipótese alguma.
Obs.: Pedidos dos convidados sujeitos a consulta prévia aos noivos.
O que foi? Não posso escolher?
E olha que nem proibi Jota Quest ou Engenheiros do Hawaii, veja só.
2.
“Casamento é muito legal. E até eu posso casar vocês"
Luciano conversava conosco no aniversário que Paula e eu comemoramos juntos no Paribar, na Praça Dom Gaspar, centro de São Paulo.
Era fevereiro de 2017. Ele havia se casado algum tempo antes: Luciano e Carol casaram 3 anos antes de nós, com uma cerimônia budista e uma festa num lugar bem legal, no Rio.
Pensamos nisso na hora. E, pelas horas seguintes, falamos de inúmeros outros assuntos, bebemos, seguimos com o aniversário duplo noite adentro, saímos de lá e fomos para casa e a festa continuou até amanhecer.
“E aquela conversa de casamento, hein?" Foi o que falamos quase ao mesmo tempo, lá pelo meio da tarde, quando acordamos.
3.
Feriado prolongado de 21 de abril de 2017 e pegamos estrada até Belo Horizonte.
Um dos motivos para decidirmos pelo casamento tinha a ver, também, com família. Não era aquela coisa de juntar parentes que você mal vê. Não tem a ver também com prestar contas, dar satisfação com casamento, seguir o template da classe média satisfeita.
Era muito mais, na verdade, pela celebração.
Um momento em que todo mundo que importa para nós estaria no mesmo lugar, vivendo a mesma experiência. Dividir com todos os que mais importavam.
Contamos para minha mãe.
Depois, partimos para Belo Horizonte, onde queríamos fazer a cerimônia e precisávamos decidir pelo local da festa.
E, mais importante, para contar para os pais de Paula. Brindamos com eles.
Finalmente, iniciamos os preparativo para a festa que ocorreria dali a menos de 60 dias.
4.
Em dois meses, tudo no lugar, em cada detalhe - claro, como nunca casamos antes, muita coisa só ficamos sabendo em cima da hora. Mas deu certo.
Era um feriado prolongado, como o de agora. O dia 16 era sexta-feira, o que permitia que quem quisesse poderia aproveitar para visitar a cidade.
Depois da adrenalina dos últimos dias, em que tudo o que faltava ser fechado foi feito no tempo certo, relaxamos. No 15, feriado, estávamos preguiçosamente pela cidade, depois do almoço. Parte da minha família havia chegado - convidei apenas minha mãe, meus dois irmãos e suas famílias. Henrique, o mais novo, havia chegado com minha mãe e encontramos com eles no final da tarde. Meu irmão mais velho, Marcelo, chegaria só à noite e sugerimos o Salumeria Central, um bom restaurante mineiro contemporâneo de Belo Horizonte.
Enquanto estávamos lá, mensagem: convidados chegando na cidade. Venham, ora. Estamos no Salumeria.
E mais uma mensagem. Venham, estamos no Salumeria, tem mais gente vindo.
Depois outra.
Depois outra.
Depois outra.
Depois de algum tempo, quase duas dezenas de convidados do casamento se reuníam no salão do Salumeria Central.
Queimando a largada?
5.
A pré-festa terminou na rua, em frente ao Salumeria, já no dia 16.
Avançar pela madrugada na véspera do próprio casamento, quem nunca?
O chef do Salumeria, um italiano, começou a arrasar nas pickups com Italian Disco e Eurotrash. Tudo isso, vestindo ainda o dolman com o nome dele bordado no peito sob as bandeirinhas cruzadas de Brasil e Itália. Pena que ele deve ter deixado a “toque blanche” lá na cozinha, teria sido um set bem mais interessante.
Quando ele desligou e começaram a botar todo mundo para fora, Paula reclamou - e já passavam uns bons minutos da 1h da manhã. Ficamos na Rua Sapucaí. Dê um google aí se você não é de BH ou se não conhece a cidade - vai ver que é um dos lugares mais divertidos para se estar num final de noite: uma rua que dá vista para a Praça da Estação, local histórico de Belo Horizonte e palco sempre de grandes comícios, protestos, manifestações ou, mais comum ainda, de festas boas. Praticamente duas dezenas de convidados (parei de contar por volta de umas 23h30) estavam ali nas amuradas da rua Sapucaí, com as últimas cervejas e drinques.
O chef-que-ataca-de-DJ ainda quis se redimir por ter fechado o restaurante e chamou todo mundo para a casa dele - e não aceitamos. Afinal, tínhamos todos de estar em um casamento em menos de 15 horas: alguns ali poderiam dar W.O., mas Paula e eu, não.
Do outro lado da praça, dava para ver o lugar onde o casamento aconteceria em poucas horas. Aos poucos, a multidão da pré-festa começou a debandar.
Paula e eu fomos os últimos a ir embora, depois que todos já haviam ido e estariam - esperávamos - lá no casamento, às 17h, 16 de junho de 2017.
Seguimos de táxi pelas ruas da cidade, sem muito movimento numa madrugada de feriado. As mesmas ruas que pedimos para que aparecessem no filme do casamento. Em algumas horas, estaríamos prontos para a cerimônia e para a festa. Aquela celebração que queríamos fazer, que era o mais importante para nós. Juntar quem a gente queria que estivesse lá, nesse momento.
Amigos, irmãos, sobrinhos, minha mãe, os pais da Paula.
Hoje, 5 anos depois, sabemos que fizemos na época certa.
Foi a última chance que tivemos de reunir todos os que importavam para nós.